Por Dra. Saskia Assumpção Lima Lobo [1]
[1] Advogada associada do Escritório Chaves de Advocacia entre 2015-2016. Graduada em Direito pela Universidade Jorge Amado/BA. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Pós-graduada em Direito Público pela JusPodivm/BA.
CENÁRIO GERAL
No atual cenário brasileiro, e mundial, o coronavírus, causador da doença COVID-19, alterou a dinâmica da sociedade, diante do seu alto poder de transmissão e da inexistência de medicação capaz de combater o vírus.
Após a Organização Mundial da Saúde reconhecer em 11 de março de 2020 a pandemia, os países ao redor do globo iniciaram medidas para frear o avanço acelerado do vírus.
Assim, o alastramento da COVID-19 pelo Brasil tem dado ensejo a uma série de medidas por parte da Administração Pública da União Federal, Estados e Municípios, que afetarão as relações com a iniciativa privada, cabendo neste difícil momento a adoção de providências que priorizem a manutenção da vida e da saúde pública.
Outrossim, estão sendo implementadas medidas que visam, também, a preservação da atividade econômica, sendo de extrema importância que a iniciativa privada conheça das regras a serem adotadas para os próximos meses.
A REGULAMENTAÇÃO DA QUARENTENA E OS EFEITOS NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS
Após o Congresso Nacional reconhecer o estado de calamidade pública através do Decreto Legislativo nº 6/2020, com base nos arts. 501 a 504 da CLT, sobrevieram normas regulamentares flexibilizando alguns institutos das relações trabalhistas para enfrentamento dos efeitos econômicos gerados pela pandemia de COVID-19, buscando adaptar as relações entre empregadores e empregados para manter os postos de trabalho e evitar as demissões em massa.
No Brasil, foi publicada a Lei n°.13.979/20 que prevê, como medida principal à prevenção à doença, o isolamento social, também chamado de quarentena.
A fim de regulamentar as novas relações decorrentes do efeito da quarentena, foi editada a Medida Provisória 927/2020 “sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo no 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19)”.
Essa MP passou a valer imediatamente após sua publicação, e deverá ser votada em até 120 dias pelo Congresso Nacional para que não perca sua validade.
Os principais efeitos estão relacionados à esfera trabalhista, com a possibilidade de: Redução de jornada e de salário através de acordo ou convenção coletiva; realização de teletrabalho; instituição do banco de horas através de acordo individual ou coletivo; férias individuais seguindo alguns pré-requisitos como a notificação com antecedência mínima de 48 horas; férias coletivas com aviso prévio de 15 dias; antecipação do gozo de feriados; o empregado acometido pela COVID-19 será enquadrado como doença ocupacional; suspensão da obrigatoriedade de realização de exames médicos ocupacionais até o fim do estado de calamidade pública; dentre outros.
PLANOS DE SAÚDE E SEGUROS DE VIDA/VIAGEM
Muitas apólices e planos coletivos não tratam especificamente de doenças decorrentes de pandemias. Diante dessa lacuna, a Agência Nacional de Saúde já determinou que os planos de saúde custeiem testes para o diagnóstico do Covid-19, mas não disciplina como serão as situações que envolvem o tratamento. É algo que provavelmente será objeto de discussão, com possível regulamentação.
Igualmente, os seguros de vida e de viagem, em regra, não preveem a cobertura dos prejuízos decorrentes de pandemia, o que ensejará ao judiciário a análise sobre a questão, diante do sistema legal em que está submetida a relação jurídica em tela.
DIFERIMENTO, TRANSAÇÃO E SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE TRIBUTOS FEDERAIS
No tocante à esfera tributária, a sobredita medida provisória suspendeu a exigibilidade momentânea do pagamento pelos empregadores do FGTS relativos as competências de março a maio de 2020. Além disso os pagamentos poderão ser parcelados em até 6 vezes, a partir de julho de 2020.
E, por fim, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publicou a Portaria 7820 em 19 de março de 2020 instituindo a transação extraordinária dos débitos junto à União.
Com a publicação da Portaria da PGFN n° 8457 de 25 de março de 2020, o prazo para adesão à referida transação extraordinária foi prorrogado enquanto estiver vigente a MP 899/19.
Portanto, os contribuintes ainda podem se beneficiar e aderir à transação extraordinária visando superar a situação econômica instaurada com a crise da COVID-19.
CONTRATAÇÕES ADMINISTRATIVAS NO COMBATE A COVID19
A sobredita Lei n°.13.979/20 veicula regras sobre questões organizacionais e sanitárias, cabendo destaque para nossa analise seus aspectos contratuais, como por exemplo, a nova forma de dispensa de licitação e outros tópicos que se encontram nos seus arts. 4 a 4-I, com uma grande flexibilização nas contratações públicas.
Estabeleceu-se, assim, a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública relacionada à COVID-19, em caráter temporário e apenas enquanto perdurar o estado de excepcionalidade.
É possível ainda, a contratação de fornecedores e prestadores de serviços que estejam em situação de inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, da única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.
E mais, a dispensa de estimativa de preços, e mesmo naqueles casos em que esta seja realizada, é possível a contratação com valores superiores naquelas situações de oscilações ocasionadas por variações de mercado, desde que seja inserida a devida justificativa nos autos.
Nos casos restrição de mercado, a Administração Pública pode excepcionalmente e mediante justificativa no processo, dispensar a apresentação da documentação de regularidade fiscal e trabalhista e o cumprimento de requisitos de habilitação, ressalvada a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS. Os contratos regidos pela Lei terão prazo de duração de até (6) seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.
Por fim, para contratação sob essas condições, é necessário que: (i) situação de emergência; (ii) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; (iii) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e (iv) limitação da contratação às parcelas necessárias ao atendimento da situação de emergência.
REQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS
Diante da excepcionalidade do momento atual, o art. 3, VII da Lei 13.979/2020 permite a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, com pagamento posterior de indenização.
PORTARIA CONJUNTA Nº 555, DE 23 DE MARÇO DE 2020 – RFB e PGFN
Em 23 de março de 2020 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria Conjunta n°. 555 proveniente da atuação entre a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que dispõe sobre a prorrogação por 90 dias do prazo de validade das Certidões Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CND) e Certidões Positivas com Efeitos de Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CPEND), em decorrência da pandemia relacionada ao coronavírus (COVID-19).
IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS SEM REGISTRO ANVISA
As medidas adotadas para conter os efeitos do coronavírus, de fato, flexibilizam as regras gerais de importações de produtos. É o que se verifica no art. 3, VIII que prevê a autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde estes sejam registrados por autoridade sanitária estrangeira, e estejam previstos em ato do Ministério da Saúde.
Certamente, o COVID-19 enquadra-se como fator de rompimento do equilíbrio econômico financeiro contratual, seja por parte do setor privado como também por parte da Administração Pública.
CONTROLE DAS MEDIDAS PELOS TRIBUNAIS
Entretanto, deve-se ter em mente que esse equilíbrio deve ser sopesado à luz da Constituição Federal e dos diversos diplomas legais que regulamentam a sociedade em todas as suas relações, de modo a preservar a defesa da sociedade no combate ao COVID-19.
Com isso, após a superação da situação de crise todos as despesas públicas, inclusive as assumidas com base na legislação de combate ao COVID-19, serão objeto de exame e controle por parte dos tribunais de contas.
Não houve revogação, total ou parcial, de quaisquer das formas de controle da despesa pública pelas controladorias internas ou pelos tribunais de contas dos estados ou da União Federal.
Na mesma toada, as relações trabalhistas serão objeto de análise pela justiça trabalhista, onde será exigido o cumprimento das normas dentro das regras dispostas na atual sistemática.
Até a presente data, são essas as medidas implementadas visando mitigar e a adequar os efeitos provenientes da pandemia instalada em razão do coronavírus.